O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

MARK TWAIN

"A vida ideal consiste em ter bons amigos, bons livros e uma consiciência sonolenta."

"Quando em dúvida, diga a verdade!"

"Nenhum ser humano se sente bem sem sua própria aprovação."

"O homem é o único animal que se ruboriza. Ou que tem razões para isso".

Frases de Mark Twain

Hoje o Google assinala os 176 anos do nascimento de Mark Twain (Missouri, 30 de Novembro de 1835 - Connecticut, 21 de Abril de 1910) . Conhecido pelos romances The Adventures of Tom Sawer (1876) e a sua sequência, Adventures of Huckleberry Finn (1885), este último considerado frequentemente como o maior romance americano.

Livros que fazem parte das primeiras leituras de muitas pessoas.

Para saber mais sobre Mark Twain:

http://pt.wikiquote.org/wiki/Mark_Twain

terça-feira, 29 de novembro de 2011

CIMEIRA DO CLIMA EM DURBAN ONDE JÁ SE ANTECIPAM RESULTADOS MUITO AQUÉM DO DESEJADO

De 28 de Novembro a 9 de Dezembro decorre em Durban as negociações anuais das Nações Unidas sobre medidas para deter o aquecimento do Planeta, contendo-o em dois graus até meio do século. Não faltam propostas, mas poucos países querem compromissos.

Os trabalhos da 17ª. Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, que se reúne anualmente e tem como nome simplificado Cimeira do Clima, terá a presença de diplomatas, técnicos, governantes e múltiplas organizações não governamentais, estas com o objectivo de adopção de medidas mais restritivas, para a emissão de gases com efeito de estufa.

A adopção de um instrumento que substitua ou prolongue o Protocolo de Quioto é o foco da agenda. Sem um compromisso desta natureza deixa de haver calendários e metas para a redução de gases com efeito de estufa num quadro das Nações Unidas.

Durban, na África do Sul preparou-se para as manifestações dos «Occupy», mas também há «os indignados», países vulneráveis às alterações climáticas. O ex-presidente da Costa Rica, José Figueras, já indicou que há sinais, de que as salas de reuniões podem ser invadidas pelos que defendem tomadas de decisão que não houve em Copenhaga e em Cancún, as duas últimas COP.

Os 131 países em desenvolvimento (G77) não querem, na sua maioria, que a cimeira de Durban transfira para outra as decisões sobre o corte de emissões, em particular de dióxido de carbono (CO2). Também estão em causa as ajudas para as tecnologias mais limpas.

A diversidade de propostas vai ao ponto de a Rússia querer que se definam os critérios de quem é pobre ou rico como país, na medida em que estas têm sido balizas para definir maiores ou menores níveis de redução de emissões. A comissária europeia do Ambiente, Connie Hedegaard, já afirmou que deve manter-se o critério de dividir o mundo em países do Norte e do Sul, correspondendo ao primeiro grupo maiores obrigações e ao segundo a adopção de metas próprias, mas sobre a forma de compromisso. A União Europeia avança para si com metas mais drásticas, por exemplo na eficiência energética em transportes, produção e consumo, mas quer que todos os países se comprometam a reduções em 2015.

O QUE ESTÁ EM CAUSA:

PROTOCOLO DE QUIOTO – Este compromisso tem só mais um ano de vigência. Foi subscrito por 37 países, incluindo os 27 da EU. Estabelece que em 2012 se obtenha a descida de 5% nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE) face aos índices de 1990. A cimeira de Durban visa novos e mais abrangentes compromissos.

EMISSÕES AUMENTARAM – Se bem que tenha sido alcançado um decréscimo nas emissões dos seis GEE, sobretudo pela Europa, as emissões de CO2 aumentaram 6% em 2010 face a 2009. Mesmo com a crise.

AQUECIMENTO GLOBAL – A necessidade de um acordo para reduzir emissões assenta no objectivo de limitar a 2 graus centígrados em 2050 a subida das temperaturas médias.

CHINA NO TOPO DAS EMISSÕES – Este país responde por 24% das emissões mundiais, seguido dos EUA, com 18% (11% a EU). A população e o nível de desenvolvimento são os argumentos da China.

NADA DE ASSINATURAS – Canadá, Rússia e Japão já fizeram saber, há um ano, que não vão assinar compromissos. O mesmo se aplica aos EUA.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

sábado, 26 de novembro de 2011

CONTINUANDO COM CHARLES CHAPLIN

A WOMAN OF PARIS
Charles Chaplin (1923)
Normalmente, associam-se a Lubitch as “comédias de enganos”. Mas associam-se mal. Lubitsch só as cultivou depois de ter visto A Woman of Paris, do qual provém em linha recta The Marriage Circle. A árvore genealógica começa em DeMille, segue por Chaplin e desagua em Lubitch. [...] hoje é «opinião pública» que este é um dos mais fascinantes e secretos filmes que o cinema alguma vez nos deu. Ninguém pode perceber a evolução do cinema de Hollywood (a arte de tudo mostrar, tudo ocultando) sem conhecer A Woman of Paris.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A QUIMERA DO OURO / The Gold Rush -

A QUIMERA DO OURO realizado em 1925, foi para Chaplin o "filme pelo qual gostaria de ser recordado". É uma das maiores comédias de Chaplin e também um dos 100 melhores filmes americanos, segundo o American Film Institute.
A QUIMERA DO OURO ficará como uma das obras mais completas de Chaplin, aquela onde talvez se exprima melhor a grandeza trágica de Charlot. Em nenhuma outra obra descobrimos em Charlot uma tal riqueza de sentimentos e de emoção espiritual, uma síntese mais complexa do seu génio, uma arte mais vigorosa e mais estritamente cinematográfica. Em A QUIMERA DO OURO o combate é com a Natureza, com a Natureza mais impiedosa, a do grande Norte, isto é, com a tempestade, o frio, a fome, a solidão. Depois do prelúdio formado pela fila dos pesquisadores de ouro, Chaplin entra directamente no assunto. Sem ter abandonado o chapéu de coco e a bengala, Charlot aparece, perdido na neve, mais solitário e desenvolto que nunca. Precipícios por todos os lados, um urso negro que o persegue, mas ele, inconsciente dos perigos que o ameaçam, segue o seu caminho, até ao momento em que uma tempestade de neve cai sobre a solidão gelada. A tragédia desencadeou-se. Daqui até à partida de Charlot e de Mack Swain as cenas vão suceder-se numa tensão simultaneamente cómica e trágica, profundamente dolorosa.»

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

HOJE DIA DE GREVE GERAL RECORDO CHARLOT

Ítalo Calvino dizia que os “clássicos” são obras em que “toda a releitura é uma primeira leitura”. E ainda: são obras que “nunca acabam de dizer o que têm a dizer”. Por isso voltamos sempre aos “clássicos”, neste caso a Charles Chaplin, “um caso único” na história do cinema. Chaplin ainda tem muito para nos dizer. Nestes tempos cada dia mais modernos que hoje vivemos.

«O cinema dá o que a vida rouba» : Foi Chaplin que atirou a primeira pedra. Uma montra imensa estilhaça-se em Atenas, um paralelepípedo da calçada parte a janela de um ministério e é ainda a mão de Chaplin que a lança. A primeira pedra foi em ‘The Kid’. Treinada por Chaplin, a mão do garoto parece tão infalível como a funda de David e os vidros das janelas dos bairros tombam como Golias. ‘The Kid’ evocava tempos de miséria, o inexaurível filão da infância do próprio Chaplin. Anos depois, em ‘Modern Times’ volta, vadio outra vez, o mais tramp dos operários, para caricaturar a moderna sociedade industrial, então em ciclo de galopante desemprego e fome. Na sequência em que Charlot e a rapariga (Paulette Goddard) ficam uma noite naquela espécie de centro comercial: as pedras de Atenas saíram das mãos de Chaplin, os ‘ocupas’ de Wall Street devem-lhe a sequência inspirada dessa noite de sonho.


TEMPOS MODERNOS / Modern Times
Charles Chaplin (1936)
O drama de Charlot no mundo que o cerca nunca fora expresso com uma tão trágica violência. Noutros tempos conseguia sempre, graças a expedientes de toda a espécie, ficar à margem de uma sociedade com a qual não tem nada em comum.
Por que cruel destino reencontramos, no início de TEMPOS MODERNOS, este insubordinado metido nos eixos?
Charlot é operário numa fábrica. O eterno insubmisso tornou-se um dos elos da engrenagem que é preciso seguir com docilidade de escravo. Mas Charlot está a mais num universo tão bem organizado. Abandona o lugar, obcecado pelos gestos automáticos que executa de manhã à noite.
O que ele defende com tanta valentia em TEMPOS MODERNOS é a dignidade do homem. O que exprime com tanta acuidade é o seu rancor contra a vida mecanizada, contra o progresso material, que faz do indivíduo o escravo das máquinas. Num estudo consagrado ao filme, Robert Cohen-Tanugri aproxima, com razão, de TEMPOS MODERNOS esta passagem da homilia de O Grande Ditador : “Não se entreguem a estes homens-máquinas de corações mecânicos”, acentuando este traço dominante: uma recusa em desvalorizar o homem.
Ao longo de todo o filme, com uma teimosia, uma energia e um optimismo que em Chaplin nunca tinham sido tão vivos, Charlot vai esforçar-se por fugir à lei da comunidade, vai esforçar-se por não se dissolver na massa anónima. Ele será o grão de areia que chega para encravar um mecanismo bem organizado de mais. Charlot não é o revolucionário, é o revoltado. Defende a sua dignidade humana dos gestos mecânicos da autoridade do chefe, da violência da lei e das servidões provocadas pela máquina. E com que nobreza!
Às promessas de bem-estar material preferirá sempre, porque é um poeta e porque é livre, a miséria e a fome, mas também os devaneios tranquilos, a erva dos taludes, a incerteza de um amanhã que permite todas as esperanças. Chaplin tem demasiada lucidez para servir uma causa, qualquer que ela seja. Se é certo que alguns querem fazê-lo entrar nas suas fileiras, podemos estar seguros de que o encontramos nelas como Charlot no cortejo dos grevistas: sem que ele faça nada por isso.»

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

commigo - MANUEL LARANJEIRA

A TRISTEZA DE VIVER

Ânsia de amar! oh ânsia de viver!

Uma hora só que seja, mas vivida

e satisfeita...e pode-se morrer

-porque se morre abençoando a vida!


Mas essa hora suprema em que se vive

quanto possa sonhar-se de ventura

oh vida mentirosa, oh vida impura

esperei-a, esperei-a, e nunca a tive!

E quantos como eu a desejaram
E quantos como eu nunca a tiveram
Uma hora de amor como a sonharam!

Em quantos olhos tristes tenho eu lido
O desespero dos que não viveram
Esse sonho de amor incompreendido!


VENDO A MORTE

Em tudo vejo a Morte! e, assim ao ver
que a vida já vem morta creuelmente
logo ao surgir, começo a compreender
como a vida se vive inultimente...
*
Debalde (como um náufrago que sente
vendo a morte, mais fúria de viver)
estendo os olhos mais avidamente
e as mãos p'ra vida...e ponho-me a morrer

A morte! sempre a morte! em tudo a vejo
tudo m'a lembra! e invade-me o desejo
de viver toda a vida que perdi...

E não me assusta a morte! Só me assusta
ter tido tanta fé na vida injusta
e não saber sequer p'a que a vivi!




htpp://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Laranjeira

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

SOCIEDADE DESORIENTADA !!!

Compartilho esta entrevista que considero muito pertinente para uma reflexão relativamente ao tempo em que vivemos. Pode-se estar de acordo ou não, mas há aqui sintonias e pistas a considerar!

Gilles Lipovetsky: "Hoje, há demasiado de tudo"

A sociedade de consumo transformou por completo a noção de cultura. Hoje, todas as actividades, desde a moda, à indústria automóvel, do turismo ao urbanismo, obedecem às leis da economia, porque tudo tem de ser rentável.

Deixaram de vender produtos, para venderem um estilo de vida. A cultura deixou de ser um mundo exclusivo das elites, para ser um mundo de todos. Esta cultura-mundo, de que falam Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, que unifica as sociedades, é a mesma que permite a cada um de nós ser diferente de outro. É por isso que vivemos numa sociedade desorientada.

No seu mais recente livro aborda novamente a problemática da sociedade hipermoderna, mas centrando-se num novo conceito, o de cultura-mundo. O que é a cultura-mundo?
A cultura-mundo é constituída por cinco grandes lógicas: o mercado, a ciência, a informação, a indústria cultural e as novas tecnologias de comunicação e a individualização. Cinco vectores que estão a presentes em todo o planeta, em graus diferentes, e que funcionam como vectores de unificação planetária, uma vez que aproximam as sociedades, pois, de agora em diante, teremos estruturas e lógicas de modernidade semelhantes em todo o lado. Se formos à China encontraremos cidades similares às europeias, por exemplo. O que pretendo demonstrar é que a mundialização não é apenas o fim do comunismo, as novas tecnologias de informação e o capitalismo. É também uma cultura, uma maneira de pensar o mundo, uma forma de valorizar uma nova hierarquia de valores, e que, nesse universo, a cultura já não é algo nobre. A cultura, hoje, é constituída por esses cinco vectores.

Já não é uma cultura apenas das elites?
Exactamente. É uma cultura mundial, que obedece aos mesmos princípios que a economia. Hoje em dia, a cultura vende-se, compra-se, exporta-se. Com a cultura-mundo, a cultura tem que ser rentável, especialmente para os grandes grupos. Como refiro no livro, nos Estados Unidos, a indústria cultural é o bem que mais se exporta. Assistimos a uma mercantilização extrema da cultura, mas, ao mesmo tempo, a uma culturalização do consumo e da mercadoria.

Pode ser mais específico?
Tenhamos em conta o início da sociedade de consumo nos Estados Unidos, onde foi construído o modelo Ford-T. Ford queria um veículo universal, não muito caro, acessível à maioria das pessoas. Uma viatura utilitária, sem qualquer adorno, sólida e que andasse. Era este o modelo de Ford. Actualmente, não há indústria automóvel que funcione assim. Fazem-se filmes publicitários, comunicações, criam-se fundações para ajudar as crianças. Uma marca, hoje, não vende apenas um produto, vende uma cultura, um estilo de vida. Contratam-se designers, publicitários, criativos, que investem mais na marca do que no produto.

Ou seja, o mais importante não é o objecto, a sua utilidade, mas sim o que este representa?
Isso é a cultura. O mundo do primeiro capitalismo era o mundo do investimento, da construção - estradas, caminho-de-ferro, portos, pontes, produção de electricidade, indústria pesada. Com a sociedade de consumo tudo isso começou a mudar e a acelerar. Hoje, vivemos o capitalismo das marcas, do hiperconsumo, onde há tanta escolha entre produtos semelhantes. Antigamente, na moda, tínhamos a alta costura, representada por Paris, e a confecção industrial, que fabricava as calças e vestidos para as classes populares. Hoje, olhemos para a Zara. A Zara tem centenas e centenas de lojas, que não são lojas de luxo. O código de luxo foi absorvido pelas marcas populares. É uma cultura de massas, mas é a cultura do sentimento, do imaginário, do valor, do estilo. O consumidor dos bens de luxo, para fazerem a diferença, terão que apostar em algo mais do que o simples objecto.

O centro desta cultura-mundo está nos Estados Unidos?
Os EUA são o centro porque é a potência económica predominante. Mas com a cultura-mundo, como todos sabemos, os EUA e Ocidente em geral perdem a sua hegemonia. A China é já a segunda potência mundial. A cultura-mundo rege-se por duas lógicas: por um lado, revela uma certa de unificação através dos cinco factores que mencionei atrás. Ao mesmo tempo, o Ocidente perde a centralidade. Outrora, a modernidade era apenas o Ocidente, que a impôs através do colonialismo. Hoje, já não é assim. O Ocidente passou a ter concorrência. A China também já vai à lua, por exemplo. O Ocidente já não tem o monopólio da pesquisa e da modernização, o que nos leva a concluir que a cultura-mundo provavelmente não tem um centro, tem vários. Mas, por outro lado – e isto é muito importante - com a cultura-mundo há uma certa unificação planetária. Vejamos o caso da economia em que os métodos de gestão são os mesmos por todo o lado. Antes não, havia a economia comunista, que era diferente. A gestão económica, a lógica de competição é planetária, as técnicas utilizam-se da mesma forma em todo o lado. Mas há um crescimento tremendo da unificação planetária. Unificação que, contudo, não significa similitude.

Tendo em conta a unificação planetária de que fala, a cultura-mundo representa a o desaparecimento das tradições locais, da identidade nacional de cada um dos países?
Não. Nem da identidade nacional, nem da religião, da língua, nem mesmo do paladar. A McDonald's, por exemplo, não faz o mesmo tipo de hambúrguer em todo o lado. O cinema indiano não é o mesmo de Hollywood. Se por um lado, a cultura-mundo aproxima as sociedades – porque têm as mesmas marcas, os mesmos produtos -, por outro, contribui para a diversificação dos indivíduos. O colectivo assemelha-se, mas o indivíduo diferencia-se nesse colectivo. Este é um ponto muito importante. As culturas locais, as culturas nacionais, não vão desaparecer. O que são as culturas regionais e nacionais? São a língua. E o mundo da cultura é a língua. Na Europa, temos as mesmas tecnologias, os mesmos valores, mas as línguas não são as mesmas. Cultura-mundo não significa o desaparecimento das diferenças culturais, embora as tradições de consumo tenham mudado. Os indivíduos são mais livres e se são mais livres são diferentes entre si, os gostos diversificam-se, pluralizam-se. No mesmo grupo social temos pessoas com gostos muito diferentes. Há uma heterogeneização de comportamentos e de gostos.

A cultura-mundo é a libertação do indivíduo?
Absolutamente. É um vector de aceleração do individualismo, da individualização, que existe mesmo nos países que se mostrem hostis à mundialização. É o caso do mundo islâmico. No Irão, as mulheres têm a mesma taxa de fecundação que na Europa. Significa isso que as mulheres conquistaram o poder de controlar os nascimentos, o que é um exemplo típico de individualização. Mesmos nos locais onde são as leis de Deus que governam, a modernização avança. As mulheres têm acesso à Internet, frequentam cursos superiores, vão a Abu Dabi fazer compras nos centros comerciais. O mundo islâmico pode ter um discurso hostil ao Ocidente, à mundialização, mas há que compreender que essa hostilidade significa o triunfo do Ocidente, das invenções do Ocidente. Há uma penetração muito rápida das técnicas, do mercado. É por isso que a cultura-mundo suscita reacções muito, muito violentas, particularmente contra a emancipação das mulheres. Mas julgo que esse é um fenómeno transitório.

É por tudo isto que vivemos numa sociedade desorientada?
Absolutamente. A cultura-mundo acelera a desorientação. Desde o século XIX, que os grandes pensadores ocidentais assinalam este fenómeno, de que a modernidade desorienta. Nietzche fala na morte de Deus, o mesmo é dizer que se perdeu um dos pilares sólidos da Humanidade. Hoje, essa questão é mais complexa, por que não é apenas a questão de Deus que nos desorienta, mas sim tudo. Por exemplo: o que comer? Antes, era tudo muito simples. Comíamos os pratos tradicionais. Hoje, não. Podemos ir a um restaurante japonês, podemos comer fast-food, podemos comer tudo. Nas grandes cidades existem restaurantes de todo o mundo.

Há demasiada informação sobre tudo?
Há demasiada informação e, sobretudo, informação contraditória.

Como viver num mundo assim?
Não é fácil, porque já não temos os pilares de outrora. Antigamente, havia a religião, as tradições e as ideologias políticas. A religião continua a existir, mas cada um diz o que quer.

A cultura-mundo é a nova religião?
Não, de todo. A cultura-mundo não nos diz o que fazer, a religião sim. É o oposto. A religião diz-nos o que está bem e o que está o mal, o que podemos fazer e o que não podemos fazer aquilo. É muito diferente.

Apesar dessa falência das religiões, o religioso continua a existir nas sociedades.
É verdade. A cultura-mundo não fez desaparecer o religioso. Há novos movimentos religiosos, que designamos de seitas, há os evangelistas, os protestantes, que estão a aparecer em grande força em África e na América Latina. Há quem diga que as religiões não têm qualquer utilidade, mas eu considero que a cultura-mundo acabou por acolher os grandes dogmas, não os anatematizou como aconteceu nos séculos XIX e XX. Há quem tenha uma posição radical contra a religião, mas considero que a cultura-mundo permite que cada um construir a sua própria vida livremente, com ou sem religião, ser feliz, livre.

Este novo indivíduo vive muito para a satisfação imediata das suas necessidades.
Vive para a satisfação imediata, mas, ao mesmo tempo, vive para uma sociedade hedonista pura. As pessoas querem essa satisfação, mas, ao mesmo tempo, vivem extremamente inquietas quanto ao futuro, com medo do desemprego. Porque a globalização fomenta estes medos. As pessoas estão preocupadas com as suas reformas.

Daí as grandes manifestações anti-globalização?
Sim, mas essas são manifestações ocasionais. O mundo que aí vem não será fácil.

Este indivíduo que vive para o imediato pensa no futuro?
Sim, claro, mas pensa no futuro não com esperança, mas sim com medo. O século XX pensava que o futuro seria de bem-estar. Na realidade, hoje vivemos menos bem, mas vivemos melhor. É uma contradição, mas é verdade que vivemos melhor em termos materiais. No Ocidente, a grande pobreza recuou, nos países emergentes, há milhares de indivíduos que deixaram de viver numa situação de pobreza, hoje, vivemos mais tempo. Do ponto de vista material, atingimos o bem-estar, mas no plano interior não. Vivemos deprimidos, ansiosos... É muito difícil.

A crise económica acentuou esse medo do futuro?
A crise económica poderá ter aumentado este medo, mas esta situação vem de trás. A crise ocorre estruturalmente, mas a questão-chave é que vivemos num mundo de competição generalizada. Onde há pessoas mais e menos competentes. Os que são menos competentes acabam por perder o emprego e acabam por ter uma baixa auto-estima. O resultado são conhecidos: as grandes depressões, o suicídio e as tentativas de suicídio. É uma sociedade em que se vive melhor, mas não se vive bem.

Mas isso é uma contradição.
Sim, é um paradoxo.

Esta é também uma sociedade demasiado dependente da técnica e das novas tecnologias. Já não sabes viver sem os telemóveis, os pc's...
Muito grande. Dependemos cada vez mais das técnicas e do dinheiro. Lembro que nos anos 50 vivia-se com muito pouco. Hoje, temos telefone, frigorífico, televisão, carro. O consumidor é mais livre, porque tem mais escolha, mas, ao mesmo tempo, menos livre, porque sem dinheiro não sabemos como ocupar o tempo. Tudo se compra. Se vamos ao cinema, temos que pagar o bilhete. Se vamos à praia, temos que usar o carro. Para tudo é preciso pensar no dinheiro.

Esse é um cenário muito negro do futuro.
Não é negro porque, ao mesmo tempo, esta sociedade oferece muitas possibilidades. Há um século, as mulheres não tinham uma carreira profissional. Ocupavam-se dos filhos, não trabalhavam. Se os maridos não fossem gentis, tinham que se resignar e obedecer. Se calhar, teriam sete ou oito filhos. Hoje, podem escolher o número de filhos que querem e quando querem. Isto não é secundário, é essencial.

Esta é também uma sociedade onde se comunica muito, mas se fala pouco, com os vizinhos, com a família, com os colegas de trabalho. Estamos mais isolados.
É verdade, mas apenas no sentido tradicional do termo. Outrora, viva-se em pequenas aldeias, onde todas as pessoas se conheciam. Mas a visão ideal que temos dessa realidade – da fraternidade, da solidariedade do grupo - não é verdadeira. Nas aldeias, havia grandes ódios, invejas, tinham medo uns dos outros, de serem amaldiçoados. Não devemos idealizar esse viver em comunidade. Há uns anos, desenvolvi um trabalho sobre a questão da linguagem nas aldeias. A linguagem era utilizada na alta sociedade, fazia parte da cultura nobre. No mundo tradicional, no mundo popular, a linguagem era muito diminuta. Apenas se falava das coisas elementares. Hoje em dia já não é assim. Fala-se de tudo. As mulheres das classes populares já falam sobre sexualidade, por exemplo. Elas lêem sobre isso nas revistas, fazem pesquisas na Internet, discutem o que sentem e o que pensam, protestam. Hoje, comunicamos mais do que no passado, mas como comunicamos mais e com mais exigências, há um sentimento de comunicação básica. O que não é verdade. Mesmo quando alguém está na internet, essa pessoa está a comunicar. Mesmo quando alguém está no Facebook ou em blogues, elas estão a comunicar, elas encontram outras pessoas. Por outro lado, as pessoas saem de casa. Basta ir a um vila ou cidade para verificar que os restaurantes estão todos cheios. Os amigos encontram-se. É verdade que se comunica mais, mas, ao mesmo tempo, há um sentimento de solidão.

Voltando atrás, à questão das identidades nacionais. Há pouco tempo assistimos, em França, a um grande debate sobre esta questão.
Sim, mas foi um debate com objectivos puramente eleitorais. Assim que as eleições terminaram, não se falou mais na questão da identidade nacional. A discussão em torno da identidade nacional estava associada à questão da laicidade. O que fazer com a burca, com o véu islâmico, com o facto de as mulheres muçulmanas não poderem mostrar-se aos homens. A questão era a de saber como é que a laicidade podia fazer prevalecer os seus valores respeitando as diferenças. Há diferenças que não são aceitáveis. Por exemplo, a excisão genital. Não é aceitável.

Mas a excisão genital faz parte da cultura de certos povos.
Sim, é verdade. Todas culturas são todas respeitáveis, mas se aceitamos a excisão genital, por que não aceitar a escravatura? Aristóteles legitimou a escravatura. A mutilação genital de meninas é intolerável.

Mas essa é a posição das sociedades ocidentais têm.
Porque foi aqui que a questão se colocou. A laicidade surge como a única forma de as comunidades viverem em união, separa o cidadão da religião. Todas as religiões são aceitáveis, com a condição de que não violem a liberdade do indivíduo e que não ameacem o exercício das outras religiões. É verdade que no Ocidente julgamos que a laicidade será um modelo universalmente aceite, mas a verdade é que não o é. Penso que vamos viver uma boa parte do século com rupturas no fundamentalismo porque a ocidentalização, a modernização está a ocorrer de forma muito rápida e isto suscita reacções. Penso que essas reacções vão continuar durante muito tempo. É difícil de aceitar estas mudanças, os modelos tradicionais ainda existem. São necessárias gerações e gerações para que as coisas mudem. A mundialização, a cultura-mundo, não farão desaparecer as identidades nacionais, embora possam ameaçar outras coisas.

O mundo, tal como o conhecemos, vai desaparecer?
Não, o que vai desaparecer é a organização religiosa tradicionalista do mundo, que vai dar lugar a um mundo individualista, tecnológico e comercial. Este é o dispositivo geral para todo o planeta. As diferenças far-se-ão sentir nas traduções políticas. Para uma minoria de países será a democracia liberal, especialmente na Europa e na América do Norte. No resto do mundo, podem existir democracias, mas serão democracias frágeis, não democracias liberais. A cultura-mundo é um factor de unificação, de aproximação das civilizações. Mas, ao mesmo tempo, não podemos dizer que a democracia é o horizonte inevitável da história. Podem ocorrer cataclismos, guerras, e as democracias podem colapsar. Nada está escrito em definitivo no que diz respeito à democracia.

Fenómenos como o nazismo, na Alemanha, o franquismo, em Espanha, serão possíveis no futuro na Europa?
Não creio. Na Europa é a primeira vez, desde o século XX, que não há verdadeiros inimigos da democracia, ideologias que queiram destruir a democracia.

Mas a extrema-direita está a ganhar força em alguns países europeus.
Sim, mas a extrema-direita não tem no seu programa ideológico a destruição da democracia liberal. As pessoas votam na extrema-direita porque têm medo. Têm medo da imigração. O voto é uma reacção de defesa contra o medo. A extrema-direita do final da II Guerra Mundial sim, era contra a democracia, hoje, não. Podemos criticá-la, mas não vejo qualquer ameaça real à democracia no Ocidente.

http://www.jn.pt/Domingo/Interior.aspx?content_id=1535438&page=6


Gilles Lipovetsky (Millau, 24 de Setembro de 1944) é um filósofo francês, professor de filosofia da Universidade de Grenoble, teórico da Hipermodernidade, autor dos livros A Era do Vazio, O luxo eterno, O império do efémero entre outros.

Em suas principais obras, sobretudo em A Era do Vazio, analisa uma sociedade pós-moderna, marcada, segundo ele, pelo desinvestimento público, pela perda de sentido das grandes instituições morais, sociais e políticas, e por uma cultura aberta que caracteriza a regulação "cool" das relações humanas, em que predominam tolerância, hedonismo, personalização dos processos de socialização e coexistência pacífico-lúdica dos antagonismos - violência e convívio, modernismo e "retro", ambientalismo e consumo desbragado, etc.

O autor irá retornar a esse assunto, tratando de maneira mais ampla essas visões da sociedade, ao referir-se à hipermodernidade, em "Os tempos hipermodernos".

Livros

§ Do Luxo Sagrado ao Luxo Democrático;

§ Era do Vazio, A: Ensaios Sobre o Individualismo Contemporâneo;

§ A Felicidade Paradoxal;

§ O Império do Efémero: a Moda e Seu Destino nas Sociedades Modernas;

§ A Inquietude do Futuro: o tempo hiper-moderno;

§ O Luxo Eterno: da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas;

§ Metamorfoses da Cultura Liberal;

§ A Sociedade da Decepção;

§ A Sociedade Pós-Moralista;

§ Os Tempos Hipermodernos;

§ A Terceira Mulher.

(Wikipedia)